sexta-feira, 8 de maio de 2009

TURISMO, SEXO E NEGÓCIOS

(*) Este texto foi publicado originalmente no Caderno de Turismo do Uniaraxá.

Sex sells. Nenhuma novidade. No Brasil, o que chama atenção é a forma que a profissão assumiu. As “modernas” prostitutas são estudantes universitárias, algumas pertencentes a classe média. Encontram os seus clientes em cafés, boites, shopping centers e utilizam a internet como uma poderosa ferramenta de divulgação de seus trabalhos, através de sites ou comunidades virtuais, como o orkut. O caso Bruna Surfistinha ilustra bem esta realidade. Em suma, ela era uma garota de programa que descrevia os seus trabalhos na internet, no seu blog. Este material tornou-se o conteúdo de um dos livros mais vendidos, chamado “Doce Veneno do Escorpião”, publicado pela editora Panda Books. Bruna Surfistinha virou celebridade. Foi capa da revista Época e participou de programas de televisão. A novidade, talvez, seja, como descreveu a revista, a opção pela “profissão mais antiga do mundo” feita por garotas de classe média, que estudam em universidades particulares, vivem em flats e consumem produtos caros.
Uma questão, contudo, deve ser levantada: as GPs – Garotas de Programas – seriam apenas uma invenção da mídia, uma moda passageira? Do ponto de vista do debate sobre a sexualidade, os brasileiros já viram outros “fenômenos”. Um deles, na década de 1980, foi a Roberta Close, um travesti, “revelado” nos bailes de carnaval. Close virou sex symbol nacional, posando, inclusive, para a revista Playboy. Ele (a) foi capa de um livro com o sugestivo nome “O que é pós-moderno?”, publicado pela editora Brasiliense. O título da música “Even better than the real thing” do U2 poderia sintetizar o que acontecia no país naquele momento.
Na década de 1970, período de censura e repressão do regime militar, havia as pornochanchadas. Atrizes famosas, como Vera Fischer, começaram nesta fase. Esses filmes seriam considerados “ingênuos” se comparados com a indústria de filmes pornográficos atual. De fato, a “revolução sexual” no Ocidente poderia ser considerada um fenômeno recente. Aliás, alguns fatores contribuíram para que ocorresse esta mudança no comportamento das pessoas. A invenção da pílula anti-concepcional foi fundamental neste processo, possibilitando o avanço do movimento feminista e a luta dos hippies pela bandeira de sexo drogas e rock n’ roll. Pode parecer estranho, mas no período dos anos dourados – década de 1950 – aconteceram fatos relevantes que possibilitaram a explosão na década seguinte: a criação do rock and roll como um movimento de massa, a geração beatnick, com suas idéias sintetizadas no livro “On the road” de Jack Kerouak e, não podemos esquecer, a criação da revista Playboy, em 1953, que tentava ser um espaço para o homem moderno e solteiro, de bom gosto, com fotos artísticas de belas mulheres. Talvez não tenha sido por acaso que um dos ícones do século XX tenha sido a capa do número 1 da revista: Marylin Monroe. No Brasil dos militares, a revista era proibida. Nos anos 1970, ela foi criada, mas sem poder usar o nome original – foi chamada então de Homem. Somente depois de julho de 1978, a revista passou a usar o nome Playboy.
Por volta de 1976, com a invenção do Computador Pessoal (Personal Computer - PC), começava uma revolução tecnológica que iria mudar drasticamente as relações trabalhistas e empresariais no mundo capitalista. A indústria tradicional, com os seus trabalhadores manuais, semi-analfabetos, perdia espaço para o setor de serviços ou para a nova indústria, baseada no trabalho intelectual.
Estas mudanças influenciaram decisivamente a indústria do turismo. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, com o avanço tecnológico do transporte aéreo, que permitiu “encurtar” as distâncias, o setor não via um incentivo tão grande para o desenvolvimento de suas atividades. Em 1971, foi criado o primeiro mestrado da área, na Universidade George Washington. Tratou-se de um fato relevante, pois, a partir deste momento, seria possível discutir diretrizes mais elaboradas e mesmo cientificas para o turismo, sobretudo levando em consideração o papel da Organização Mundial do Turismo (OMT) no incentivo da atividade. No Brasil, foi também em 1971, que foi criado o primeiro curso superior de turismo, pela então Faculdade Anhembi-Morumbi. Hoje, são quatro mestrados reconhecidos no país: USP, UNIVALI, UCS e UNA. Todos são mestrados na área de turismo. Existe ainda o mestrado em Hospitalidade da Universidade Anhembi-Morumbi. Se até a década de 1980, não havia nem dez cursos de graduação no Brasil, a partir dos anos 1990, houve a criação de mais de 500 cursos.
O reconhecimento do turismo como atividade econômica relevante, levou ao desenvolvimento do turismo de negócios. Com este segmento, o turismo sexual tornou-se um problema para alguns destinos. No caso do Brasil, a conscientização, por parte do governo federal, de que o turismo sexual era algo prejudicial ao país, somente ocorreu nos últimos anos, sobretudo a partir da implementação da Política Nacional do Turismo (1996-1999). Antes, principalmente até a década de 1970, o Produto Brasil era associado a mulheres de biquíni nas praias e as mulatas do carnaval carioca. Atualmente, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro tenta proibir a venda de postais de turismo sexual. O governo federal, desde 1996, procurou destacar as potencialidades naturais, culturais e históricas do país, não divulgando a mulher brasileira como um “atrativo turístico”. Estas medidas, contudo, não foram suficientes para desfazer, no mercado internacional, a imagem do Brasil associada ao turismo sexual. Internamente, o problema ocorre, entre outros motivos, por causa do crescimento do turismo de negócios e, em alguns casos, a ausência do turismo de lazer em muitos destinos nacionais.
Fernando Ohhrira aponta outras temáticas associadas ao turismo sexual: status, desemprego e mesmo as empresas turísticas de um destino de negócios. Relacionar a prostituição ao status não é um erro. Na matéria da revista Época de 30 de janeiro de 2006, foi descrito o interesse de meninas de classe média pelo universo das GPs. Isso seria explicado pelo status, dinheiro e mesmo a própria aventura.
O desemprego aumenta a prostituição? Não seria possível, pelo menos no imaginário das pessoas, dissociar esses dois temas. A justificativa da prostituição sempre esteve relacionada à questão financeira, por isso era usada a expressão “a venda do corpo.”
Outro problema diz respeito às empresas turísticas. Elas, de fato, na maioria dos casos, funcionam como elementos complementares ao turismo sexual. Ou seja, os próprios funcionários do trade ajudam nas atividades das GPs. Isso ocorre com os restaurantes, com as dicas de taxistas e dos trabalhadores de aeroportos e, claro, com os funcionários dos hotéis, locais onde acontecem os encontros.
É difícil defender o turismo sexual como segmento econômico na medida em que o problema da pedofilia em países pobres cresce com a chegada de turistas estrangeiros. Isso foi demonstrado pelo Jornal da Globo, mostrando a realidade das praias do nordeste, com várias reportagens, que foram ao ar em março de 2006.
Em suma, mais do que moda ou aventura, casos como o de Bruna Surfistinha devem ser tratados como problemas sociais sérios, afinal, um país que não consegue oferecer aos seus jovens opções de estudos e de trabalhos decentes, não deve se orgulhar de uma imagem que mostra as suas mulheres e crianças como “atrativos turísticos”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEM, Arim Soares do. A dialética do turismo sexual. Campinas: Papirus, 2005.
PEREIRA, Fernando Ohhira. Turismo de negócios e a questão sexual: garotas de programa em Uberlândia. Uberlândia: Unitri, 2004.
RUBIN, Débora e AZEVEDO, Solange. Bruna Surfistinha: por que tantas meninas de classe media estão virando garotas de programa. Época, São Paulo, (402): 42-50, 30 de janeiro de 2006.