quarta-feira, 6 de maio de 2009

REDE DE SABERES: CONCEITOS E PROBLEMÁTICAS

Na década de 1980, talvez influenciado pelo contexto da redemocratização do país, o governo de Minas Gerais apresentou um novo projeto para as escolas 1o. e 2o. graus – termos usados na época. As propostas eram baseadas numa nova bibliografia, que utilizava, sobretudo, autores marxistas.
Isso ocorria, pois, no essencial, o objetivo era substituir uma concepção tradicional por uma que possibilitasse uma visão crítica da sociedade. O principal problema para implantar essa nova metodologia não foi a resistência dos professores, mas a maneira como a proposta foi trabalhada na prática da sala de aula.
A maioria apenas mudou os livros, os autores positivistas foram substituídos por autores marxistas, mas a maneira de ensinar continuava a mesma, ou seja, as teorias de autores como Marx e Lênin, no caso do ensino de História, continuavam a ser aplicadas de uma forma estanque, segmentada, com a ênfase no conteúdo e as provas exigiam apenas memorização. Se antes o aluno tinha que decorar quem havia sido Duque de Caxias, com a nova proposta, ele teria que decorar o que era o conceito de modo de produção.
Uma mudança não se faz de cima para baixo nem por decreto – as tentativas fracassadas do Ministério da Educação no sentido de melhorar a qualidade do ensino superior podem servir de exemplos. Uma mudança no ensino também não ocorre se não houver uma preparação adequada dos professores, senão eles fingem que entendem uma proposta, preenchem os documentos da maneira correta, citando a nova bibliografia, mas, na prática, continuam fazendo o que faziam antes, usando a mesma metodologia em sala de aula.
Esses cuidados devem ser levados em conta quando se pensa em implantar o projeto intitulado "rede de saberes". O problema dessa proposta começa na sua base teórica. São utilizados conceitos como saber e episteme, citados autores como Michel Certeau e Michel Foucault, entre outros, sem levar em consideração que esses autores, quando trataram destes conceitos, não estavam pensando em um projeto pedagógico.
O uso de termos da física quântica – outro moda entre os franceses – agrava o problema, na medida em que os educadores não conhecem adequadamente a área das chamadas Ciências Exatas. Mesmo se conhecessem, seria problemático retirar um conceito da matemática ou da física e simplesmente “transportá-lo” para as Ciências Humanas sem considerar o seu verdadeiro sentido. Estas críticas foram elaboradas por Alan Sokal, no seu livro “Imposturas Intelectuais”. O uso de obras estrangeiras não significa necessariamente um sinal de erudição. Especialmente em países como o Brasil, deve-se, no mínimo, tomar cuidado com as propostas de mudanças em práticas pedagógicas baseadas em autores estrangeiros, sobretudo quando não conhecemos as obras originais - e sim apenas as traduções - e não estamos cientes do contexto em que elas foram produzidas.

SELMANE FELIPE DE OLIVEIRA

Doutor em História pela Pontícia Universidade de São Paulo - PUC SP