sexta-feira, 8 de maio de 2009

A RIVALIDADE ENTRE UBERLÂNDIA E UBERABA

OLIVEIRA, Selmane Felipe de. A Rivalidade entre Uberlândia e Uberaba. Cadernos de História, Uberlândia, 4 (4): 89-97, jan./dez. 1993.

(*) Publicado também na internet: http://www.geocities.com/ceturho/oliveira3.htm


A rivalidade entre Uberlândia e Uberaba é outro aspecto ideológico importante, na medida em que é usada pelas burguesias das duas cidades para incentivar o progresso e escamotear as contradições sociais.
Uberlândia foi distrito de Uberaba, mas desde sua emancipação sempre lutou pelo seu próprio crescimento. Aliás, este fato era motivo de críticas e brigas entre as duas cidades:


"Continuando na tribuna o vereador Jeová Abrahão protesta contra declarações do deputado José Marcus Cherém que tentou desmerecer Uberlândia, dizendo que Uberlândia antigamente era distrito de Uberaba, sob o nome de Uberabinha e que se emancipando, conseguiu um ‘razoável progresso’. (. . . ) O vereador Adriano Bailoni Jr. em aparte diz que éramos Uberabinha, mas agora queiram ou não queiram os despeitados Uberlândia é a capital do Triângulo Mineiro." 66


Outra questão polêmica entre Uberlândia e Uberaba foi a criação das faculdade na região. Como vimos anteriormente, 67 Uberaba era considerada o centro cultural do Triângulo na década de 50. Neste período o principal responsável na luta pelas escolas superiores foi o deputado uberlandense Mário Palmério. Contraditoriamente, ele prometia, em campanha, conseguir faculdades para a região, mas, na realidade, as mesmas eram instaladas somente na sua cidade. Essa atitude revoltava os outros municípios triangulinos, acirrando ainda mais a rivalidade entre Uberlândia e Uberaba:


"Uberaba, indiscutivelmente, é cidade que possui o maior número de escolas superiores no Triângulo Mineiro, pelo fato de as outras cidades não possuírem nenhuma.
(. . . ) Com certeza os uberlandenses estão lembrados de um moço simpático, bem falante, acessível que (há uns 3 ou 4 anos) andou por aqui falando para todo mundo que mandaria para nós uma faculdade de medicina e com isto conseguindo um ótimo contingente de votos que o levou facilmente ao Palácio Tiradentes.
Pois este moço que nos prometeu faculdade de medicina em praça pública é o mesmo que a obteve para nossa vizinha e centenária Uberaba. Seu nome é Mário Palmério. Que ninguém esqueça dele."68


Assim, se o deputado Mário Palmério havia sido bem votado em Uberlândia na campanha de 50, justamente pelas promessas de conseguir escolas superiores para a cidade, nos anos posteriores ele passou a ser visto como inimigo dos uberlandenses, na medida em que todos os benefícios eram encaminhados apenas para Uberaba:

"Não ficou só neste engano a ação antiuberlandense de Mário Palmério. Não se contentou ele em mentir e tirar daqui as escolas superiores. Foi mais além, o SAMDU já conseguido para Uberlândia, foi para Uberaba e lá se encontra instalado, graças às suas maquinações no Rio de Janeiro.
Agora, depois de tudo isso, jornais uberlandenses vêm estampando noticiário de que Mário Palmério pretende estender a Uberlândia suas escolas superiores. Mas como? Se ele, o inimigo público nº.1 da cidade Jardim já prometeu isso uma vez e não cumpriu, se ele já nos tomou o SAMDU, melhoramento já autorizado para Uberlândia e o levou para Uberaba? Os uberlandenses têm boa memória. Não esquecerão facilmente os malefícios que Mário Palmério nos causou. Isso é que não. Inimigo público nº.1 da cidade terá a resposta que merece, pois nós não iremos mais na ‘guitarra’ das escolas superiores que ele, malandro velho, tentará nos impingir."69


Portanto, na segunda metade da década de 50, Uberlândia já havia desistido de conseguir as faculdades para a cidade através do Mário Palmério. No seu lugar, foram adotadas outras estratégias para a conquista das escolas superiores, como a eleição de deputados uberlandenses e as campanhas pró ensino superior. No caso da Faculdade de Engenharia, o movimento começou em 1956 e terminou em 1965, com sua instalação oficial na cidade. A importância dessa faculdade está no fato de ser uma escola federal, a única da cidade, que contribuiu, posteriormente, para a criação da universidade e sua federalização.
Entretanto, a Faculdade de Engenharia não foi a primeira escola superior do município. Antes dela, foram criadas em Uberlândia as faculdades de Direito, Filosofia e Ciências Econômicas, além do Conservatório Musical.70 Havia, por parte de Uberaba, muita resistência e críticas às escolas superiores uberlandenses. Isso ficou claro na campanha pela Faculdade de Direito, uma das primeiras a ser instaladas em Uberlândia, quando o presidente do Centro Acadêmico Leopoldino de Oliveira da Faculdade de Direito de Uberaba, Antônio Edson Deroma foi à Belo Horizonte.


"bater-se contra a criação de mais escolas de Direito, pois já temos quatro faculdades em funcionamento, sendo duas em Belo Horizonte, uma em Juiz de Fora e outra em Uberba."71


A resposta uberlandense veio através dos artigos de Antônio Kavamoto - vice presidente da comissão pró-escolas superiores de Uberlândia - e Ruth de Assis - jornalista do Jornal Correio de Uberlândia:

- Antônio Kavamoto: "Uberaba como Uberlândia e Araguari, precisam relegar a segundo plano esse bairrismo que destrói, no invés de construir. De fato, concordamos pois devemos sim estar unidos com um só objetivo de elevar cada vez mais o bom nome de nossa região. Portanto devemos combater todos os elementos que não querem nosso progresso.Assim, caro Antônio Edson Deroma, o seu egoísmo e o seu bairrismo se confunde numa verdadeira escuridão. Aqui ficam as nossa repulsas à estes universitários inescrupulosos, e ao presidente de C.A.L. Oliveira, a nossa profunda tristeza, por querer destruir as palavras sábias e eficientes do Rvo. dr. Antonio Thomaz Filho, que tão brilhantemente defendeu a cultura de nossa região, não só esmagando o sentimento bairrista, mas também como professor e sacerdote, apontando os clamorosos erros e indicando o caminho certo."72
- Ruth de Assis: "Dir-se-ia que a escola de Uberlândia viria a prejudicar a de Uberaba. De modo algum. Boas escola não podem temer concorrências. Do contrário, não poderia haver tantos educandários do mesmo ciclo de estudo no mesmo lugar.
Quando a nossa casa é boa de fato, não nos importa a casa do vizinho ao lado, mesmo parede e meia. Quanto mais a casa do vizinho do outro quarteirão!"73


Outra questão que gerou conflitos entre as duas cidade - e também já foi analisada em outro contexto74 - foi a proposta da criação da Cidade Industrial do Triângulo, e 1959, de acordo com o projeto de um deputado de Governador Valadares. A promessa do governador Bias Fortes de escolher Uberaba como sede para tal empreendimento revoltou os uberlandenses, que convocados pela Associação Comercial uniram-se e lutaram contra a intenção do governador.75
Nesta luta entre as cidades, destacava-se o papel dos políticos, mesmo nos casos das derrotas políticas, pois serviam de "alerta" para o próprio município. Foi assim, por exemplo, respectivamente, em 1959 e 1974:


- " Anunciada a hora do expediente solicitada a palavra o vereador Homero Santos para fazer um protesto contra as injustiças que vêm sendo praticadas contra Uberlândia em benefício da cidade de Uberaba. Informa que ainda agora quando já se tinha como certa que a estação de controle do serviço de micro-ondas, que servirá Brasília seria sediada em Uberlândia, chega a notícia de que mais esse melhoramento irá beneficiar a cidade de Uberaba, graças naturalmente ao trabalho mais eficiente de seus políticos."76

- ( O vereador Adriano Bailoni Júnior) "Continuando expressa o seu protesto pelo fechamento em nossa cidade do Serviço Público de Telex e diz, também de seu descontentamento pela transferência, para a cidade de Uberaba, mesmo temporariamente de nosso serviço de psicotécnico para exame de motoristas. Continuando, diz que em Uberaba existe um escalão de políticos de alto gabarito, que trabalham e vão canalizando para lá todas as melhorias que poderiam estar em nossa cidade;"77


Assim, as derrotas políticas eram analisadas como injustiças - afinal, Uberaba "tomava" o que pertencia por "direito" a Uberlândia - e também como falta de competência dos políticos uberlandenses. Diante de qualquer conquista, a cidade era convocada a unir-se e lutar, para não perder para Uberaba. Foi assim também com a questão do ensino:

(O vereador Urquiza A. F. Alvim) "(. . . ) comenta que está para ser instalada no Triângulo Mineiro, a Delegacia Seccional de Ensino. Os políticos de Uberaba já se movimentaram para levar para aquela cidade a referida delegacia. Uberlândia não pode ficar para trás em relação ao ensino. Conclama a todos para que se unissem e trabalhassem no sentido de trazer a Delegacia Seccional de Ensino para Uberlândia."78


A problemática da rivalidade foi tão marcante, que chegava-se a questionar os dados oficiais sobre o crescimento das duas cidades, como ocorreu com o Censo de 1970, quando o vereador Natal Felice colocava em dúvida os dados referentes ao censo de Uberlândia, que na realidade "ultrapassa em muito o progresso da vizinha cidade." 79 Do lado de Uberaba, eram levantadas suspeitas de "que o Juiz de Uberlândia fraudou o alistamento eleitoral", como comentou e protestou o vereador uberlandense Jeová Abrahão, dizendo que sua cidade tinha "um colégio eleitoral maior que o de Uberaba desde as eleições passadas."80
Outro ponto que gerou conflito foi a administração do uberlandense Rondon Pacheco enquanto Governador do Estado de Minas Gerais. De fato, o que ocorreu foram reclamações dos deputados uberabenses de que Rondon Pacheco estaria beneficiando somente Uberlândia. Foi o caso da instalação da fabrica da Coca-Cola em Uberlândia - com os protestos do deputado uberabense Sylo Costa81 - e ainda a entrevista de outro deputado de Uberaba, Euripedes Craide, que acusa o governador de estar "adotando uma política de regionalismo, levando benefícios para Uberlândia, que é sua terra natal, em detrimento de Uberaba, marginalizada pelo govêrno."82 Do lado uberlandense, a defesa do governador:

"Nem acertou Eurípedes Craide dizendo que Rondon Pacheco faz política de regionalismo. Rondon Pacheco sempre foi um benfeitor do Triângulo Mineiro. Rondon Pacheco no Palácio da Liberdade, é o próprio Triângulo Mineiro, pela primeira vez no governo de Minas. Errou, foi injusto e leviano ao dizer que Rondon sé está fazendo benefícios para Uberlândia. Desde o tempo em que era deputado federal trabalhou pela região. Deu muita coisa a Uberaba. Como a Uberlândia, a Ituiutaba, a Araguari, a Tupaciguara. Ousamos afirmar que todas as estradas asfaltadas desta região foram obtidas graças a trabalhos de Rondon Pacheco. Para citar apenas uma conquista. Em nome de uma pretensa ‘rivalidade’, Craide atacou o governador Rondon Pacheco. Parece que não tinha nada o que falar e foi mexer num ponto intocável. Porque se existe um homem imparcial, um político honesto e inatacável, este homem é o sr. Rondon Pacheco. ele é ‘tão contra’ Uberaba que nomeou subsecretário de Agricultura de Minas Gerais o uberabense Hildo Totti."83


Em 1973 aconteceu mais um atrito. Desta vez o motivo foram as críticas do jornal Correio de Uberlândia à TV Uberaba. Entre outras coisas, o jornal dizia que o comércio de o povo de Uberaba não apoiavam seu próprio canal de TV, e que em virtude do corte da metade de seus funcionários e "a redução drástica de seu horário de funcionamento", ficava claro "que a televisão de Uberaba caminha para um final melancólico, bem diferente daquele que se esperava quando de sua inauguração."84 Como resposta, os jornais uberabenses Lavoura e Comércio85 e Jornal da Manhã, juntamente com a Câmara Municipal de Uberaba, saíram em defesa de sua cidade, questionando a reportagem do Correio de Uberlândia e expondo "as várias iniciativas da TV Uberaba, que demonstram sua vontade de progredir e crescer."86 No final, um pouco constrangido, o jornal uberlandense afirmava ter "consciência de um dever cumprido" e desejava sucesso para o canal de TV uberabense, concluindo contraditoriamente - já que no primeiro artigo acusava a TV Uberaba de caminhar em marcha ré, devido, entre coisas, ao bairrismo dessa cidade - que


"(. . . ) o mais importante de tudo, foi que todos mostraram seus pontos de vista, dentro de uma cordialidade maravilhosa, que não deu lugar, em nenhum instante, a rivalidade, e mais do que isso, demonstrou que, uberlandenses e uberabenses sabem lutar juntos por interesses comuns."87


Afinal, depois de tantos conflitos, seria realmente possível negar a rivalidade entre Uberlândia e Uberaba? Certamente que não. A rivalidade existe, e mais do que isso, tornou-se um importante elemento ideológico, que serve tanto para incentivar o próprio crescimento como também para escamotear as contradições sociais. Os conflitos entre as classes são "transferidos" para a "guerra" entre as cidades. Uberlândia, seu povo, suas diferenças, suas classes sociais, deve unir-se para não perder para Uberaba, e vice-versa. A ideologia burguesa ora assume a rivalidade - sobretudo internamente, para a própria cidade - ora a nega. Assim, é possível ver, de um lado, uma propaganda dos Irmãos Garcia, concessionária Chevrolet em Uberlândia, negando a rivalidade: "Isso não é conosco! (. . . ) Jamais estivemos disputando com ninguém um lugar;"88 e de outro lado, um manifesto dos comerciantes do município sobre as mudanças no trânsito, não apenas assumindo o lado bairrista, como colocando-o como um aspecto significativo do discurso burguês:

"Passo as suas mãos, um manifesto assinado por aproximadamente 150 comerciantes de Uberlândia. Peço que ao ler nossas proposições, as entenda pelo lado humano, bairrista e comercial do povo desta terra, que sempre soube construir e dignificar nosso progresso, hoje espalhado aos quatro cantos na Nação.
(. . . ) Referi-me ao lado bairrista, porque como a maioria de nosso povo sou uberlandense mesmo que houvesse nascido em Uberaba. E por esta razão jamais idealizaria um movimento (para corrigir pequenas coisas em benefício de outras grandes) que não fosse pelo respeito ao nome, a tradição, a dignidade e a responsabilidade de uma cidade que leva o nome de Uberlândia: a maior e mais bela de todas as outras do interior Brasileiro, que conta hoje com aproximadamente 270.000 habitantes."89


A problemática da rivalidade chegou a atrapalhar uma das grandes lutas e reivindicações da região: a separação do Triângulo de Minas Gerais.90 Havia união: todos queriam separar-se de Minas Gerais e constituir-se num Estado independente, mas onde seria a capital? Nas campanhas separatistas, oficialmente essa questão não era muito analisada, para evitar atritos entre as cidades triangulinas, sobretudo, claro, entre Uberlândia e Uberaba.
Entretanto, alguns políticos tentavam solucionar este problema, incluindo uma terceira cidade para ser a capital do Triângulo. Essa era a postura do ex-prefeito de Uberaba, Hugo Rodrigues da Cunha, que dizia que a capital poderia ficar em Barretos, área turística de Araxá."91
A proposta do ex-prefeito, porém, não agrada de fato nem aos uberlandenses nem ao uberabenses. O sentimento bairrista era mais forte, o que reforçava a rivalidade entre os dois municípios. Aliás, a rivalidade neste contexto já era percebida em 1948, quando o jornal Diário de São Paulo analisou a separação do Triângulo:


"A velha rivalidade existente entre Uberaba e Uberlândia, as duas principais cidades do Triângulo Mineiro, tem sido o maior obstáculo às pretensões separatistas do antigo Sertão Farinha Pobre. Tanto Uberaba como Uberlândia, como os demais municípios mineiros, possuem fortes razões para desejar a independência do Triângulo, encaixando assim mais uma estrelinha na bandeira do Brasil. Mas acontece que, criando-se um novo Estado, criar-se-ia conseqüentemente uma nova capital .... e aí é que está o busílis. Uberaba, de forma alguma abriria mão desta prerrogativa; Uberlândia tampouco. Ambas as cidades julgam-se dignas do pomposo título e das vantagens de capital. Uberaba apóia-se em razões históricas, Uberlândia em razões futuras; e assim, ambas temem a realização do velho sonho, na expectativa de que uma delas sairá mais beneficiada do que a outra."92


Além da luta pela separação do Triângulo - que unia as cidades triangulinas, apesar do problema da capital - , ocorreram momentos - raros, com certeza - em que a rivalidade era colocada num segundo plano. Um desses momentos foi a campanha pelo Nobel da Paz para o uberlandense Chico Xavier, que contou com o apoio de Uberlândia.93 Outro momento foi a eleição de Tancredo Neves como governador de Minas Gerais, que contou com um acordo entre prefeitos do PMDB de Uberlândia e Uberaba, para que não houvesse pressões na escolha dos cargos do governo, que prejudicasse uma ou outra cidade. Essa tentativa dos prefeitos do PMDB de preservar os interesses do partido, demonstrava que a rivalidade entre as duas cidades não apenas existia, como era um problema a ser enfrentado pelo próprio governador. Em outras palavras, por mais que o PMDB da região - como em todo o Brasil - pregasse em campanha um projeto de mudança, de renovações, de fato, questões antigas e problemáticas, como a rivalidade entre Uberlândia e Uberaba, não deixavam de existir.
Em suma, o bairrismo permanecia, independente dos partidos políticos e de seus projetos. Poderiam ocorrer propostas de conciliação ou mesmo políticas onde se tentasse anular a questão da rivalidade, mas isso, na prática, através da própria negação somente reconhecida, quando não reforçava o sentimento bairrista.
Concluindo, a rivalidade entre Uberlândia e Uberaba, assim como acontece com outras cidades e regiões, é um aspecto ideológico significativo, pois confunde os projetos da burguesia com os interesses da cidade, e na medida em existe um "inimigo" - a cidade rival - as diferenças e as contradições internas são colocadas em um segundo plano, em nome de uma suposta união para o "bem comum" do município. Portanto, o que parece uma "guerra" entre cidades, é, de fato, mais um elemento ideológico do discurso. Discurso que, de um lado, dá sentido geral aos interesses particulares da classe empresarial e, de outro, escamoteia, sem dúvida alguma, as contradições sociais inerentes ao desenvolvimento capitalista.