sexta-feira, 15 de maio de 2009

Marv em "Sin City" - uma relação entre os quadrinhos e o filme

(*) Este texto foi escrito originalmente em 2005.

Frank Miller revolucionou a linguagem dos quadrinhos em 1986, apresentando uma versão densa de Batman na história Batman - The dark knight (“Batman – o cavalheiro das trevas”). O seu último projeto foi a série Sin City (“Cidade do Pecado”), recentemente divulgada em sua versão cinematográfica. O filme e a série tratam de vários personagens, nesse artigo, porém, será discutida apenas a importância da figura de Marv no universo criado pelo autor.O filme Sin City foi co-dirigido pelo próprio Frank Miller. Nos depoimentos, ele havia demonstrado a sua descrença com a adaptação de suas histórias para o cinema. Roberto Rodriguez, o outro diretor do filme, contudo, conseguiu convencê-lo, trazendo-o para o projeto do filme: além da co-direção, Miller ainda fez uma participação como ator, interpretando o personagem de um padre, no confessionário, que ouve os pecados de Marv.O resultado de Sin City para o cinema é brilhante. Quentin Tarantino chegou a dizer que Miller havia “criado” o Michey Rourke com o personagem do Marv. De fato, no filme, a atuação de Rourke é a que mais se aproxima dos quadrinhos. Por outro lado, a postura da atriz Jessica Alba, que fez a stripper Nancy, recusando-se a fazer cenas de nudez, comprometeu um pouco a vida do seu personagem. Nos quadrinhos, claro, não existe esse tipo de “moralismo”. A stripper tira a roupa e seus traços estão mais próximos do tipo de bar que ela trabalha, ou seja, ela não aparece como uma mulher linda e perfeita no estilo “top model”.Contudo, o principal problema da adaptação cinematográfica de Sin City foi a ausência da figura da mãe de Marv. No filme, ela é citada apenas quando os policiais desejam obrigá-lo a assinar a sua confissão. Nos quadrinhos, Miller dedica alguns “quadros” a ela. Poucos, mas fundamentais para entender a importância da personagem na vida de Marv.
Essa relação é importante para entender quem é o Marv, ou seja, mesmo sendo considerado um psicopata, ele era uma pessoa de princípios. Por exemplo, apesar de todas as evidências, quanto ao principal responsável pelos assassinatos, levarem ao Bispo Rork, Marv procura ter certeza antes de assassiná-lo.Outro dilema em Sin City trata do que seria o “real” ou a “imaginação”. Marv precisa de remédios, havia sido preso, era um “marginal”. A normalidade e a lei seriam representadas pelas instituições, como a polícia e a igreja. Entretanto, Marv respeita as mulheres – “I don’t hurt girls” - e não gosta de injustiças. Os policiais são assassinos e corruptos. O bispo é um chefe de todo o processo de assassinatos das prostitutas. No filme, ele afirma: “they were all wores. Nobody cares for them.” Claro que o assassinato de prostitutas “sem valor” remete, de imediato, a figura de Jack, o Estripador.
Em outras palavras, para quê prender um assassino se as vítimas seriam “apenas” prostitutas? De certa forma, a imagem que é passada seria a de que o próprio assassino estaria fazendo um “favor” à sociedade na medida em que ele estava “limpando” as ruas...O tema do amor foi retomado como algo “puro”, mesmo considerando o clima de violência e de marginalidade. Para Marv, bastou uma noite com a Goldie para ele se apaixonar e levar adiante o projeto de vingança da morte de sua amada. Apesar dela ter omitido que era prostituta, Marv a agradece por ter revelado as pistas que o levariam a descobrir os crimes do bispo e do seu protegido, Kevin. Esse último é mostrado como um “nerd”, usa óculos, uma blusa de moleton, e nada na sua aparência de “bom menino” poderia revelar que trata-se, de fato, de um “psico-killer”. No embate entre Rork e Marv, aparecem, respectivamente, nos discursos, a sofisticação – “he just didn’t eat their bodies, he ate their souls” – e a simplicidade – “I just know it’s pretty weird to eat people”, o que choca com o conteúdo de cada mensagem, na medida em que o bispo tentava justificar os assassinatos – falando em “almas” – e Marv dizia apenas que não era normal “comer gente”. Em outras palavras, a forma sofisticada de um discurso omite uma mensagem equivocada, enquanto a fala simples defende uma postura ética. No final do diálogo, Rork não deixa se convencer – ele estaria certo, seria o “normal”, o “bom”, o “civilizado”, e Marv, por outro lado, representaria a “violência”, a “barbárie”, a “anormalidade” – pois, abraçando a cabeça de seu protegido, afirma: “Kevin, we’re going home”, ou seja, estaria indo para o paraíso, para o lugar dos “santos”. Marv é levado preso e, depois, condenado à morte – o que parece não incomodá-lo – “it’s damn time...”, ele afirma no filme.Sin City, o filme, mostra ainda a história de outros personagens de Frank Miller, como Dwight McCarthy e John Hartigan. Mas... essas são outras histórias...

SELMANE FELIPE DE OLIVEIRA

Doutor em História pela Pontícia Universidade de São Paulo - PUC SP