quarta-feira, 6 de maio de 2009

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A HISTÓRIA SOCIAL DO ROCK

Não seria possível escrever a história do século XX sem tratar do rock and roll. Isso não significa dizer que ele representou um movimento revolucionário como aqueles que aconteceram na Rússia (1917) ou em Cuba (1959). As mudanças do rock foram diferentes. Elas representavam mais uma transformação no comportamento da sociedade.
Sabemos que a década de 1950 foi o período da guerra fria. De um lado, havia o comunismo, que era mostrado como uma ditadura e, de outro lado, o capitalismo, que era identificado como sinônimo de democracia. A realidade, contudo, não era tão simples. Por trás do American way of life, havia o racismo, o preconceito contra os pobres e uma política externa que apoiava as ditaduras na América Latina.
Não existiria o rock sem o blues, sendo que esse último sempre esteve associado ao sofrimento dos escravos. Na verdade, o blues lembra os sons da África e as contradições do processo de colonização. Apesar das origens negras, o primeiro grande ídolo do rock não foi Chuck Berry ou Little Richards, mas sim Elvis Presley. Ser branco, contudo, não facilitou as coisas para Presley nos anos cinqüenta. Em suas entrevistas, ele tentava explicar que o rock não era um movimento perigoso para a sociedade. Tratava-se de um contexto - o da Guerra Fria - em que a juventude americana precisava ser protegida das idéias diferentes. No caso do rock, essas idéias viriam dos negros. Rock e racismo: estes problemas mostravam outra realidade dos Estados Unidos, além daquela ideologia pregada na Guerra Fria. Havia ainda o movimento beatnic. As suas idéias, poesias e experiências foram fundamentais para mudar o comportamento das pessoas.
Provavelmente não existiria o movimento hippie sem as idéias da geração beat. Mas certamente na década de 1960 surgiria um novo movimento social, inclusive, com novos ídolos. Eles viriam da Inglaterra, com destaque para os Beatles e os Rolling Stones. De fato, com os Beatles, o rock acabou tornando-se uma música internacional para adolescentes. Tudo isso significava, claro, uma mudança de comportamento, sobretudo com as bandeiras do sexo, drogas e rock n´roll. Os Beatles, por exemplo, não compunham somente músicas com temáticas amorosas. Eles também escreviam canções como Lucy in the Sky with Diomonds (com letras que estavam associadas ao uso de LSD). Havia ainda as letras como My Generation do The Who e Simphaty for Devil dos Rolling Stones.
De fato, na década de 1960, se de um lado, deve ser considerado que o rock não era uma música para "anjos", de outro, pode ser afirmado que ele tentava apresentar algumas respostas para a sociedade. Os jovens viviam em comunidades hippies, com novos valores e poucas regras. A sexualidade significava liberdade. O feminismo lutava pelos direitos das mulheres. Havia também os protestos contra o racismo. O mundo estava mudando: 1968 na França, protestos na Tchescolovaquia contra a ditadura comunista, o festival de Woodstock nos Estados Unidos e existiam os movimentos de esquerda na América Latina (tentando repetir a experiência cubana de 1959).
Não há corno negar que o rock mudou o comportamento das pessoas. Contudo, isso não representou mudanças políticas significativas. Isso é verdade sobretudo se considerarmos o contexto da década de 1970, quando as pessoas deixaram de acreditar na revolução. No rock, tratava-se do período do heavy metal e do som progressivo. A música tornara-se mais importante do que as letras. Isso era claro na sonoridade sinfônica do som progressivo e no "barulho" dos grupos de heavy metal. Um exemplo seria o Led Zeppelin, com a música The song remains the same, que, apesar da criatividade sonora, apresentava letras simplistas e sem sentido:
I had a dream. CrazyDream.
Anything I wanted to know, any place
I needed to go
Hear my song. People won´t you listen now? Sing along.
You don´t know what you´re missing now.
O que significaria essa letra? Provavelmente nada. O importante era o som. A voz de Robert Plant aparecia corno um instrumento na música e a importância das letras era colocada para um segundo plano. Algumas pessoas poderiam argumentar que, no caso do Led Zeppelin, havia letras interessantes em canções como Stairway To Heaven e Rain Song. Mas, nesses casos, como nas letras do rock progressivo, as músicas tratavam de amor ou de coisas "sobrenaturais" e não do cotidiano das pessoas. Com o movimento punk, na década de 1970, esse quadro mudou. Eles não eram verdadeiramente músicos. Na verdade, o que importava era o barulho. As letras eram fundamentais, quando eles protestavam contra os "velhos" ídolos do rock (como Led Zeppelin ou Rolling Stones) e mesmo contra as regras da sociedade. O punk era muito mais do que um simples movimento musical - era um estilo de vida. A letra de Anarchy in the U.K. pode representar bem esse contexto:
1´m an antichrist
I´m an anarchist
I don´t know what I want
But I know how I get it
1 wanna destroy
A combinação entre o anarquismo e o rock não transformam automaticamente o punk num movimento social significativo. Mas, não há como negar que, com o punk, o rock voltava a representar aquilo que era na sua origem: uma música de protesto - quando não só os músicos importavam, mas a reação do público fazia parte do espetáculo. Isso foi verdadeiro nos anos cinqüenta e setenta do século XX. O punk não foi o último movimento do rock. Depois dele, vieram estilos bastante diferentes, como a música disco, a new wave, o hip hop, entre outros. O rock tornou-se importante para a indústria da música. Os músicos ficaram milionários.
A música que tentava mudar a vida das pessoas transformou-se numa máquina de fazer dinheiro no capitalismo. Esse era o problema: usar o rock como protesto era uma forma de gerar mais lucro para as gravadoras e para os artistas. Passou-se a vender de tudo: discos, camisetas, ingressos, refrigerantes... O rock tornou-se um produto como outro qualquer. Os jovens de Woodstock transformaram-se nos pais conservadores da década de 1980. Apesar de ser outro período, o rock deixou de representar uma surpresa ou um símbolo de protesto. Os anos oitenta eram os anos dos yuppies. O dinheiro era a única coisa que importava. A música disco e a new wave eram a trilha sonora desta época.
Em suma, podemos dizer que as letras do rock não tentaram demonstrar um ponto de vista político de esquerda. Havia as canções de Bob Dylan ou as letras do punk, mas elas não representavam a maioria. Isso não significa, porém, que o rock não foi importante na mudança do comportamento da juventude na segunda metade do século XX.

SELMANE FELIPE DE OLIVEIRA

Doutor em História pela Pontícia Universidade de São Paulo - PUC SP