sexta-feira, 8 de maio de 2009

CRESCIMENTO URBANO BRASILEIRO O CASO DE UBERLÂNDIA

OLIVEIRA, Selmane Felipe de. Crescimento urbano brasileiro: o caso de Uberlândia. Ícone, Uberlândia, 2 (1): 113-132, jan./jun. 1994.

(*) Publicado também na internet: http://www.geocities.com/ceturho/oliveira5.htm

. O CRESCIMENTO ECONÔMICO

Crescimento urbano está ligado sobretudo ao avanço da industrialização do país. Assim, antes de analisarmos a questão urbana, seria interessante perceber, resumidamente, as principais características da recente história econômica brasileira.
O sistema econômico do Brasil está inserido no sistema capitalista internacional, onde suas relações são caracterizadas como relações de dependência. Até meados do século XIX, o Brasil era um país essencialmente agrícola, onde a principal mão-de-obra era o escravo. "Entre a abolição da escravatura (1888) e a Revolução de 30, houve no Brasil importantes transformações econômicas, sociais e políticas. Iniciou-se o processo de desenvolvimento mediante substituição de importações, com a constituição de um importante parque industrial produtor de bens de consumo não duráveis (tecidos, roupas, alimentos) principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e de uma ampla agricultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, e de uma agricultura comercial voltada para o mercado interno, nos estados de colonização alemã e italiana (Rio Grande do Sul e Santa Catarina). A imigração européia avolumou-se fortemente, atingindo seu auge antes da 1ª Grande Guerra, integrando-se os imigrantes na cafeicultura e nas novas atividades do Setor de Mercado Interno. Iniciou-se um tímido processo de urbanização, com o crescimento proporcionalmente mais rápido das capitais que eram centros de mercados regionais: Rio São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte"
Essas mudanças ocorridas entre 1888 e 1930, foram, de certa forma, conseqüência das crises capitalistas internacionais. A crise de 1929 e a primeira guerra mundial criaram situações difíceis e de isolamento para o país, que até então era caracterizado basicamente enquanto produtor e exportador de produtos agrícolas, a partir desta época iniciou-se a chamada substituição de importações, com o início do processo de industrialização e ainda de uma maior urbanização nos grandes centros.
Este processo de mudanças foi aprofundado a partir de 1930. O governo de Getúlio Vargas procurou estabelecer uma política de industrialização, criando ao mesmo tempo "uma legislação de trabalho aplicável unicamente às áreas urbanas (na verdade, apenas às cidades maiores) que proporcionou aos assalariados urbanos um padrão de vida substancialmente mais alto que o das massas rurais, Surge desta maneira um sistema de incentivos que atrai uma parcela crescente dos trabalhadores rurais às cidades. A grande massa rural confinada na economia de subsistência, passa a constituir para a economia capitalista industrial um verdadeiro reservatório de mão-de-obra ou, na expressão clássica de Marx, um exército industrial de reserva"
Assim, se de um lado crescia a migração interna, com campo para cidade, por outro, a imigração estrangeira caía drasticamente no período pós-1930. "O número de imigrantes chegados no Brasil era de 622.397 entre 1900 e 1909, atingindo seu montante máximo entre 1910 e 1919: 815.463. Na década seguinte (1920-29) o total se manteve próximo deste nível 788.170. Porém, daí em diante o número de imigrantes cai drasticamente: 322.768 entre 1930 e 1939, e 114.405 entre 1940 e 1949. (...) Pois bem, apesar desta queda da imigração do exterior, a absorção de mão-de-obra pela economia capitalista acelerou-se cada vez mais, graças a um aumento cada vez maior das migrações internas, cuja componente principal era a migração rural-urbano".
Essa migração era direcionada aos grandes centros, sobretudo a São Paulo e ao Rio de Janeiro, onde estava ocorrendo a industrialização, e o conseqüente fortalecimento do setor comercial e de serviços. O crescimento econômico dos grandes centros, com destaque para São Paulo, criou desequilíbrios regionais no país. Wilson Cano analisa essa temática, descartando a hipótese do crescimento de São Paulo baseado na exploração de outras regiões, principalmente o nordeste. Para Wilson Cano, ao contrário, São Paulo cresceu baseado na dinâmica de sua própria região. Ou seja, em suas palavras, "a liderança do desenvolvimento capitalista em São Paulo, uma vez obtida (pré-1930) tendeu a acentuar-se, por razões que dizem respeito, antes de mais nada, à dinâmica do próprio pólo"
Wilson Cano descarta, portanto, a análise que privilegia o conflito entre os estados ou regiões, e afirma:
"Não há por que brandir arma contra suposta ‘exploração’ de São Paulo sobre a periferia, ao contrário, tornar-se-á, tão somente, a defesa dos interesses capitalistas regionais. è necessário que se estude o óbvio: os interesses dos assalariados de todo o Brasil devem ser solidários, juntamente com os dos trabalhadores rurais. Caso contrário, estaríamos aplicando regionalmente, equivocadas teses sobre o imperialismo mundial e acabaríamos dizendo o absurdo de que os operários paulistas exploram seus confrades da periferia..."
Assim, de acordo com Wilson Cano, os interesses regionais são usados ideologicamente para desviar a atenção dos verdadeiros problemas - como seria o caso da união dos trabalhadores.
Paul Singer, analisando o crescimento brasileiro, afirma que uma das principais características deste processo foi a constituição de um exército de reserva, "que deu lugar a um abundante suprimento de força de trabalho pouco qualificada mas dócil e de aspirações modestas". Especificamente neste último ponto, não concordamos com Paul Singer, pois afirmar que o trabalhador brasileiro é "dócil", significa desmerecer o processo de luta - através de greves, manifestações, etc - e de organização desta classe. Entretanto, no que diz respeito à análise geral da economia e da urbanização do Brasil, achamos que este autor tem dado contribuições significativas.
O processo de mudanças no capitalismo brasileiro teve outro momento fundamental na segunda metade da década de 50, com a entrada maciça de capital estrangeiro no país. Essas mudanças foram conseqüências sobretudo da política industrial adotada no Brasil. Carlos Lessa afirma que antes de 1950, especificamente entre 1948 e 1950, "a industrialização (....) surgiu como uma decorrência e não de um objetivo principal intencionalmente perseguido" Na década de 50, no seu intender, ocorreram duas fases na política econômica brasileira. "A primeira inicia-se em 1951 e estende-se até a segunda metade de 1954. consubstanciando o que poderíamos denominar de "a primeira aproximação à política de desenvolvimento". Nesta etapa lançaram-se as bases instrumentais das políticas econômicas do decênio. A segunda etapa preside a metade superior do decênio, quando sob o esquema do Plano de Metas, todos os esforços foram intencionalmente dirigidos à construção dos estágios superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada. A segunda etapa se distingue da primeira pela maior intensidade dos esforços e pela amplitude e integração dos objetivos setoriais perseguidos." Com o Plano de Metas, houve efetivamente uma política econômica no país, o que significou, no caso do governo de Kubitscheck, um aumento na participação do Estado na economia.
Analisando este período Carlos A. Afonso e Hebert de Souza afirmam que:
"A partir das décadas dos anos 50 e 60 (. . .) ocorrem alterações fundamentais no sistema capitalista mundial. Agora não temos somente sistemas produtivos capitalistas nacionais articulados com sistemas comerciais e financeiros internacionalizados. O que hoje se analisa como fenômeno das corporações multinacionais (. . .) expressa de fato a configuração de uma realidade de qualidade diferente no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo: como resultado do processo histórico de internacionalização do modo de produção capitalista, se define claramente um sistema produtivo capitalista mundial, isto é, um sistema do capital mundial ou multinacional que não mais se expressa somente através de uma comercialização mundializada, de um sistema financeiro internacionalizado, mas que (e este é o aspecto central do que há de novo) articula um sistema produtivo que opera a nível internacional numa escala global e segundo objetivos e alcance medidos nessa escala mundial"
Com o governo Kubitscheck, o Brasil entrou efetivamente nesta nova ordem capitalista mundial, onde o sistema baseava-se no fenômeno das corporações multinacionais. Desta maneira, portanto, o capital internacional tornou-se um elemento fundamental na industrialização brasileira. Entretanto, uma questão nos parece pertinente neste momento: não houve conflito entre a burguesia brasileira e as multinacionais? De acordo com Jacob Gorender, não, porque "foi a própria burguesia brasileira, como classe, que precisou do capital estrangeiro e o incentivou a vir ao Brasil. O nacionalismo da burguesia brasileira não implica a rejeição capital estrangeiro, mas sua cooperação demarcada pelas conveniências do capital nacional".
E a problemática do conceito de burguesia no Brasil? Caio Prado Jr., por exemplo, não concorda com o conceito de burguesia nacional relacionado ao Brasil. Ele afirma que a "‘Burguesia nacional’ (. . .) não tem realidade no Brasil, e não passa de mais um destes mitos criados para justificar teorias preconcebidas." Seguindo essa linha de raciocínio, Jacob Gorender procura analisar os problemas referentes ao conceito de burguesia. No seu entender, quando se fala em burguesia nacional, trata-se sobretudo de uma classe revolucionária. Portanto, como não ocorreu uma revolução burguesa no Brasil, seria incorreto chamar a burguesia brasileira de nacional. Isso não quer dizer, porém que a burguesia brasileira "se comportou como espectadora passiva dos acontecimentos históricos." Muito pelo contrário. Contudo, o importante é perceber que ela "não precisou realizar uma revolução para se tornar classe dominante principal".
A burguesia brasileira foi um dos principais agentes na formação do modelo brasileiro , juntamente com o Estado e as multinacionais. Peter Evans refere-se a esse grupo como "a tríplice aliança" Este modelo de crescimento, onde se destacaram os referidos agentes, teve no governo Kubitschek um dos principais marcos históricos. A partir de 1964, o regime militar continuou e realizou efetivamente o processo de internacionalização da economia brasileira. Analisando estas questões Carlos A. Afonso e Hebert de Souza concordam que o modelo capitalista no Brasil foi resultado de aliança entre três agentes fundamentais, e resumem assim o papel de cada um:
"1. O capital multinacional, que controla:
a. setores dinâmicos e estratégicos da indústria, agroindústria e seus respectivos mecanismos de exportação
b. setores fundamentais da exploração de recursos naturais:
c. setores mais dinâmicos das novas fronteiras agrícolas (. . .);
d. mecanismos básicos do capital financeiro internacional operando no Brasil, assim como mecanismos internos de captação de recursos de estatais.
2. O capital nacional associado ao capital mundial, que se integra no setor internacionalizado da economia basicamente como elemento complementar e subsidiário do processo produtivo, da rede de comercialização e de serviços.
3. O Estado brasileiro, atuando basicamente como agente disciplinado interno, negociador externo e responsável pela implementação da infra-estrutura industrial e de serviços requerida pelo setor internacionalizado da economia"
Concluindo, este modelo de crescimento, baseado na "tríplice aliança", tem seu preço, que não é interessante para a maioria do povo brasileiro e nem para o país, pois ele "supõe (ou exige) um elevado custo social, desigualdades crescentes na distribuição da renda nacional, desigualdades regionais (. . .), marginalização de boa parte da população em relação aos resultados tangíveis do desenvolvimento econômico, abandono das políticas de bem-estar social, repressão política e social, ao lado do aumento vertiginoso da dívida externa e a sensível perda das margens de negociação política do Estado com o sistema capitalista mundial."
Um esclarecimento: até o momento, evitamos usar conceito desenvolvimento econômico (exceto nas citações, claro), porque trata-se de um conceito problemático. De acordo com Celso Furtado, "a literatura sobre desenvolvimento econômico do último quarto de século nos dá um exemplo meridiano (do) papel diretor dos mitos nas ciências sociais: pelo menos noventa por cento do que aí encontramos se funda na idéia, que se dá por evidente, segundo a qual desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial, pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que os standards de consumo da maioria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, é acessível às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado terceiro mundo. Essa idéia constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial" Em outras palavras, a noção de desenvolvimento econômico, como normalmente é usada, não passa de um mito, de uma criação que é veiculada ideologicamente para atender interesses burgueses.
No nosso entender, o crescimento brasileiro deve ser percebido de acordo com esta perspectiva. Se de um lado, não há como negar, por exemplo, o aumento da taxa de crescimento do Brasil entre 1965 e 1973, por outro lado, está claro também o empobrecimento da maioria da população.

. A QUESTÃO URBANA

O crescimento urbano brasileiro deve ser analisado dentro do contexto de crescimento capitalista adotado pelo país. Vilmar Faria no seu texto "Desenvolvimento, urbanização e mudanças na estrutura do emprego: a experiência brasileira nos últimos trinta anos", conclui que "o processo de desenvolvimento foi acompanhado por um intenso e acelerado processo de urbanização - taxa de crescimento da população urbana de 5,.64 por cento ao ano - que resultou no aumento da taxa de urbanização de 36,2 por cento para 67,7 por cento ao ano, segundo o critério censitário, e de 21,5 por cento para 45,7 por cento ao ano, segundo o critério mais exigente aqui utilizado, havendo ainda, substancial incremento no número de cidades, que passaram de 96 para 482"
Não há como negar, portanto, que o processo de urbanização no Brasil está ligado diretamente ao crescimento econômico do país. Em relação aos últimos anos, significa dizer também que o avanço da economia se deu baseado no intenso processo de industrialização brasileiro, baseado sobretudo no capital internacional.
Se, por um lado, não existe dúvida quanto ao crescimento econômico e urbano no país, por outro lado, de acordo com Lúcio Kowarick, está claro também que este modelo brasileiro foi possível graças ao agravamento das desigualdades sociais. José Álvaro Moisés concorda com esta análise, e afirma que "a formação das principais áreas metropolitanas brasileiras foi acompanhada do surgimento de uma série de contradições sociais e políticas especificas que apareceram na forma das distorções urbanas" conhecidas por exemplo, por cidades como São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto alegre, entre outras". Em suma, o crescimento das grandes cidades gerou contradições e conflitos sociais. Existem muitos trabalhos que analisam esta problemática, mas, o que dizer das cidades de médio porte? Juarez A. B. Rizzieri percebe o crescimento dessas cidades de acordo com o avanço urbano geral no país. De acordo com sua análise, "as cidades brasileiras (. . .) foram desenvolvidas, inicialmente, [ baseadas em ] funções de exportação ligadas à exploração de recursos naturais; o processo de industrialização surgiu posteriormente, beneficiando-se do sistema de transporte de longa distância e concentrando-se nas cidades que desenvolveram serviços e mercados locais, ligados ao comércio exterior. A concentração de atividades econômicas em um número reduzido de grandes cidades foi uma decorrência natural deste processo, que promoveu um desequilíbrio no sistema regional-urbano e na hierarquia das cidades." Por esta razão histórica, a urbanização brasileira, baseada no crescimento econômico industrial, tem-se caracterizado sobretudo pelo desenvolvimento das chamadas grandes metrópoles.
Entretanto, a partir da década de 50, ainda de acordo com Juarez A. B. Rizzieri, apesar de ocorrer o "fortalecimento das áreas metropolitanas na medida que se consolidou um mercado efetivamente nacional," houve também outra mudança fundamental em relação ao desenvolvimento das cidades médias, ao atuarem como pontos eficientes de apoio a um amplo processo de descentralização urbano-industrial"
Este crescimento das cidades de médio porte seguiu o modelo de urbanização das grandes cidades? Não existe nenhum trabalho que analise especificamente esta temática. Entretanto, a imagem normalmente veiculada das cidades de médio porte é a de um espaço limpo e organizado, onde não haveria tantos conflitos como nas grandes metrópoles. Uberlândia é um exemplo claro disto:
"Pode-se ter pensamentos otimistas (...) em muitas cidades brasileiras. Uberlândia, 350.000 habitantes, fincada no Triângulo Mineiro, é apenas uma delas - mas destaca-se fortemente dessa família feliz de aglomerados urbanos por um conjunto de fatores que a transformou numa síntese do bom interior.
(...) No centro de um pólo formado por seis capitais brasileiras, a mais próxima delas Goiânia, a 400 quilômetros de distância, Uberlândia vive fora do círculo de crise econômica e social que hoje se aperta em torno da maioria das cidades do país. Em Uberlândia, é quase inacreditável, não existem mendigos. Em vez de desemprego, ali há vagas em oferta em muitas empresas, inclusive as de construção civil, que desconhecem o garrote que asfixia suas congêneres no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e outras capitais. Uberlândia detêm uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do país, distribui água fluoretada a toda população e coleciona índices de segurança que fazem inveja a qualquer centro urbano (. . .). Trigésima quarta cidade brasileira em população, é a décima segunda arrecadação de impostos - um desempenho que deixa para trás dezesseis capitais do país e representa uma média de contribuição por habitante nove vezes superior à brasileira. Além de tudo isso, Uberlândia ainda dá a seus moradores aquele tipo de tranqüilidade que só se encontra no interior"
Esta imagem harmoniosa da cidade será analisada nos capítulos seguintes. No momento, é importante compreender como esta cidade está inserida no contexto brasileiro.
Uberlândia está localizada no Triângulo Mineiro. De acordo com Roberto C. Sampaio, um dos primeiros colonos a ter contato com a região foi o bandeirante Anhanguera, por volta de 1722. "Na época, era bastante difícil penetrar pelo Triângulo, dada a existência de quilombos e de tribos indígenas, bastante selvagens. A região era conhecida como ‘Sertão da Farinha Podre’. De 1730 a 1766, o Governo de Minas tentava, através da força, penetrar pelo Triângulo, mas somente nesta última data é que conseguiu eliminar o Quilombo do Ambrósio e a tribo dos Araxás."
Com o início da ocupação da região, o Governo Goiano também começou a reivindicar este território; apesar das resistências dos mineiros, conseguindo a sua posse durante o período de 1766 a 1816. Após esta data, a região voltou a pertencer a Minas Gerais.
Os primeiros colonos vieram para região atraídos pela "possibilidade de ocupar áreas imensas e férteis." A produção agropecuária ganhou força a partir do declínio da mineração no século XVIII, como resume Roberto C. Sampaio:
"Com a decadência da exploração das minas na segunda metade do século XVIII, que atingiu também as minas do Vale do São Francisco e de Paracatu, a alternativa que se apresentava, para a população desocupada da mineração, era a produção agropecuária.
No início do século XIX, o Triângulo já se encontrava ocupado economicamente em grande parte, e fornecia alimentos para as populações de São Paulo e Rio."
De acordo com Beatriz R. Soares, o Triângulo foi inserido realmente na economia nacional a partir dos seguintes fatores: a construção da Estrada de Ferro Mogiana em 1895, que ligava a região a Campinas, "a construção da ponte Afonso Pena sobre as águas do Paranaíba, em 1909, ligando Minas Gerais a Goiás." e a criação, em 1912, da Companhia Mineira de Autoviação, para a construção de rodovias, que possibilitassem "o escoamento de produtos e o transporte de passageiros entre 32 cidades de Goiás e Minas Gerais." Ocorre "(. . .) a partir daí, o aprofundamento das relações comerciais entre São Paulo e o Triângulo Mineiro, particularmente com Uberlândia, que se especializava na comercialização de alimentos, além de realizar a intermediação entre Minas Gerais, Goiás e São Paulo."
Uberlândia foi fundada em 31 de Agosto de 18888, mas somente a partir de 1924, começaram a surgir algumas industrias na cidade. A principal delas foi a fábrica de tecidos Cia. Industrial do Triângulo Mineiro, mas havia também uma grande produção de charqueadas e ainda algumas "industrias de implementos agrícolas (fabricação de máquinas para engenho de cana para agricultura, telas, serrarias, indústrias alimentícias)."
Na década de 30, com o Governo Vargas, o Brasil conheceu uma período de incentivo às indústrias nacionais, o que fortaleceu ainda mais o crescimento da região Sudeste, principalmente São Paulo, "com a qual Uberlândia se encontra intimamente ligada em suas relações econômicas".
Em 1940 Uberlândia tina 163 industrias (ligadas sobretudo ao setor agropecuário), mas a sua principal atividade econômica nesta época era o comércio, principalmente o ligado à produção de arroz.
Todavia, o grande salto para o crescimento da cidade só ocorreu a partir da década de 50, com implantação do capital estrangeiro no país, basicamente no que dizia respeito às indústrias automobilísticas, o que incentivou a construção de novas estradas (para Uberlândia esse aspecto foi fundamental, pois graças a sua posição geográfica, isso acabou reforçando a sua posição comercial, baseada num entroncamento de rodovias estaduais e federais), somando-se ainda a construção de Brasília e a intensificação do comércio e do setor de serviços da cidade.
Em relação A intensificação do capitalismo no campo, de acordo com Vera Lúcia S. Pessoa, o caso de Uberlândia não foi diferente do restante do Brasil:
"Conclui-se que a modernização da agricultura no município de Uberlândia se enquadra perfeitamente bem no que se convencionou chamar de uma ‘transformação conservadora’ da agricultura, pois sendo os insumos, máquinas e crédito rural privilégios dos grandes proprietários sé estes conseguem realmente uma renda satisfatória das atividades agrícolas e podem melhorar cada vez mais seu padrão sócio-econômico.
Por outro lado, os pequenos proprietários, os trabalhadores assalariados, os arrendatários e parceiros por não terem acesso àqueles bens, permanecem em precárias condições com relação às rendas auferidas, levando como conseqüência o não alcance do desenvolvimento rural. Muitos destes proprietários acabam por desistir da atividade rural, vendendo suas propriedades, geralmente, para o empresário rural.
É neste sentido que a modernização da agricultura tem sido ‘conservadora’, pois ela tem contribuído para manter o estado atual da questão agrária brasileira, ou seja, uma concentração cada vez maior da posse e renda da terra.
Realmente, a situação da agricultura do município de Uberlândia confirma plenamente a quem a modernização da agricultura atende e beneficia"
Além do mais, o crescimento econômico e urbano da cidade, se fez em grande parte, devido ao êxodo rural e também à migração urbana-urbana. Neste sentido, o que ocorreu no município, de certa forma, aconteceu também em outras regiões brasileiras:
"Num primeiro momento, de 1940 a 1970, a migração é predominantemente marcada pela saída das pessoas do campo para as cidades. Num segundo momento, de 1970 à atualidade, a migração se caracteriza pela saída de pessoas de cidades para outras cidades, daí, pode-se dizer que o modelo concentracionista adotado no Brasil pós-60 envolve, também, a concentração de pessoas em determinados espaços do seu território"
A base econômica da região do Triângulo á a agropecuária, e grande parte de suas industrias são direcionadas para este setor - são as chamadas agroindústrias. Uberlândia é a cidade que mais se desenvolve industrialmente na região, e, portanto, este aspecto, junto com comércio, tem um peso fundamental na formação da burguesia da cidade. Mas, que é essa burguesia? Existe conflito entre os setores urbano e rural? Não. A palavra de ordem da burguesia local é união, e a principal instituição que representa seus interesses - a ACIUB - foi durante muito tempo representante também dos setores rurais, como lembrou um empresário local:
"Naquela época, nossa entidade se denominava Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia, denominação que possuía desde sua fundação nos idos de 15/10/1933. Éramos em conseqüência uma entidade representativa do Comércio, da Indústria e da Agropecuária. Essas três classes produtoras, como sempre acontece em Uberlândia, trabalhavam sob a égide de sua entidade, coesas e com tenacidade, e prol do desenvolvimento da nossa comunidade"
Existe, portanto, uma união dos setores dominantes da cidade e do campo. Essa característica, porém, não se restringe somente à burguesia. Há também uma aliança de interesses entre os empresários e a classe política - a ACIUB "desmente a dissociação entre empresários e Políticos ( . . . ) porque o desenvolvimento de nossa Uberlândia foi sempre produto de uma associação harmônica entre Políticos e Empresários." Entre os próprios partidos políticos, este discurso de união em nome dos interesses da cidade permanece:
"O vereador Luiz Alberto Rodrigues (do MDB) disse ao Sr. Prefeito Municipal (da ARENA) que sua bancada nesta casa de Leis colocará os interesses de Uberlândia acima de tudo, inclusive do próprio partido e, acima dos interesses de grupos particulares."
Assim, em Uberlândia prevalece a aliança dos setores dominantes urbano e rural, e desses com a classe política e os poderes governamentais.