terça-feira, 19 de abril de 2011

DIREITA E ESQUERDA

Não sou militante de partido de esquerda. Assim, não sou obrigado a seguir dogmas, nem a justificar atitudes de governos e, muito menos, de ler somente obras de autores marxistas. Leio de tudo. Alguns filósofos, como Nietzsche e Heidegger, são interessantes como "provocadores da reflexão". O resultado político das suas teorias é outro problema.

Neste contexto, Georg Lukàcs estava correto quando colocava Heidegger entre os pensadores burgueses (História e Consciência de Classe, p. 364). Basta lembrar que ele assumiu, na época do nazismo, o cargo de reitor da Universidade de Freiburg, "expressando suas esperanças numa 'completa revolução da existência germânica'." (Heidegger, Os Pensadores, p. 5 e 6)

No século XX, porém, não existiu apenas o totalitarismo de direita. O governo stalinista na antiga União Soviética serve como exemplo de totalitarismo feito em nome dos ideais da esquerda.

Quem lê meus textos, já percebeu as minhas críticas ao governo petista da administração Lula, sobretudo no que diz respeito aos temas da educação e da política externa. Por outro lado, não há como negar que o efeito político do capitalismo no cotidiano da maioria da pessoas é péssimo, pois aumenta a alienação e a desigualdade na sociedade. A última revolução tecnológica não mudou essa realidade. O que ocorreu foi uma maior concentração de renda e um aumento do desemprego.

A leitura de obras clássicas, independentemente da linha política do autor, como são os casos de Lukàcs, Nietzsche e Heidegger, pode ajudar na reflexão e na busca de soluções para as angústias diárias vividas sobretudo nas grandes cidades.

FILOSOFIA DE BAR: NECESSIDADE, MOTIVAÇÃO E MEDO

A casa caiu? Ainda não... Mas não existe saída: o fim é a morte. Antes, porém, existem as crises, que são agravadas depois dos 30 anos: divórcio, falência, desemprego, loucura, prisão, asilo, suicídio... Essas crises são conseqüências, em parte, das escolhas feitas normalmente aos 25 anos: formatura, casamento e/ou filho. Antes dessa idade, existe a fase "dourada", quando tudo parece bom e novo: namoros, bares e festas entre os 15 e 25 anos; os colegas nas escolas, entre os 5 e 15 anos; e a presença da família entre o nascimento e os 5 anos.

Os 25 anos seriam o marco: antes você era "filho" - alguém era responsável pelos seus atos - e depois você torna-se sujeito. Estudo, trabalho e caos.

Não enxergar a decadência não resolve o problema. As frustrações, como destaca Freud, "perturbam a alimentação, as relações sexuais, o trabalho profissional e a vida social" e geram "casos graves de neurose," que com o passar dos anos, podem aparecer como AVCs ou ataques do coração. Em suma, a alienação não é a resposta.

O que leva um indivíduo a fazer algo? Necessidade. Motivação. Medo. Os três fatores dependem das condições que ele vive no momento. Essas condições são definidas, sobretudo, pelas infinitas relações entre as pessoas, que resultam em fatos, que criam efeitos positivos para alguns e negativos para outros. O que os indivíduos produzem em suas infinitas relações não têm como resultado algo lógico ou racional. Por exemplo, uma pessoa que mata, rouba e comente outros crimes, pode torna-se rica, não ser presa, ter filhos e netos, e morrer naturalmente na velhice. Outros, que são éticos e honestos, podem sofrer conseqüências negativas na velhice.

A vida é definida por dois instintos: a sobrevivência (alimentação) e a reprodução (sexualidade). Os "jogos" poderiam representar um terceiro fator. Eles seriam aquilo que permitem a satisfação dos dois instintos.

Se sexo é vida, a perda da sexualidade seria a morte. Existe uma propaganda de uma clínica, que passa na televisão nos intervalos dos jornais, que promete resolver os problemas de ereção e ejaculação precoce. Aparentemente, esses problemas são associados à velhice.

Na terceira idade, o sexo é percebido como algo "estranho". Os velhos podem abandoná-lo e escolher "outra obsessão" para lidar com a vida ou podem fazer escolhas, que aos olhos dos outros, seriam "bizarras", como o envolvimento com pessoas muito mais jovens, as drogas, o sadomasoquismo ou o bi-sexualismo.

O viagra ajuda, mas a verdade é que a excitação, na terceira idade, não seria tão óbvia como na juventude. Além do fator biológico, não há como negar que após décadas fazendo a mesma coisa, se houver interesse em continuar, alguma novidade teria que aparecer. Desistir de ter relações sexuais é uma opção comum. Continuar, nesta idade, é que seria o problema. De certa maneira, se aquela premissa for correta - "sexo é vida" -, continuar representaria uma resistência à morte.

HEIDEGGER & LUKÀCS

Li Nietzsche, pela primeira vez, na graduação. Como qualquer pessoa, fiquei impressionado na época. Atualmente, estou lendo Martin Heidegger. Na verdade, as leituras de Heidegger sobre Nietzsche, em duas obras: "Nietzsche - Metafísica e Niilismo" (Relume Dumará) e "Was heisst denken?" (Reclam).

Heidegger impressionou os filósofos sobretudo com as suas idéias apresentadas no livro "O Ser e o Tempo". Georg Lukàcs (História e Consciência de Classe, p. 362) em "Posfácio de 1967" comentou sobre o livro:

"(...) Lucien Goldmann (...) via na obra de Heidegger uma réplica polêmica ao meu livro ["História e Consciência de Classe" ], se bem que ele não seja aí mencionado."

De fato, eram duas referências filosóficas distintas. Se Heidegger utilizava as premissas de Nietzsche, Lukàcs seguia os princípios marxistas.

Na apresentação da teoria de Heidegger na coleção Os Pensadores (p. 9), é dito: [angústia = causa no mundo como um todo e em estado puro]

"Não tendo coisa alguma como causa do mundo, a angústia teria sua fonte no mundo como um todo e em estado puro. O mundo surge diante do homem, aniquilando todas as coisas particulares que o rodeiam e, portanto, apontando para o nada. O homem sente-se, assim, como um 'ser-para-a-morte'.

A partir desse estado de angústia, abre-se para o homem (...) uma alternativa: fugir de novo para o esquecimento de sua dimensão mais profunda, isto é, o ser, e retornar ao cotidiano; ou superar a própria angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo.

(...) A inquietação estrutura o ser do homem dentro da temporalidade, prendendo-o ao passado, mas, ao mesmo tempo, lançando-o para o futuro. Assumindo seu passado e, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o homem afirma sua presença no mundo. Ultrapassa então o estágio da angústia e toma o destino nas próprias mãos."

Sêneca, antes de Heidegger, já afirmava: "para a morte nasceste (...) pois então escreve para ocupar o tempo em teu proveito." (Sobre a Tranqüilidade da Alma, p. 19) Para escrever é necessário a reflexão.

Na citação do Heidegger, além de colocar o homem como um "ser-para-a-morte", o cotidiano é mostrado como uma fuga de si. A alternativa seria a angústia associada à temporalidade e sua origem estaria "no mundo como um todo e em estado puro."

Certamente a reflexão sobre "o" homem (fora do contexto da luta de classes) e o uso de termos como "estado puro" não seriam utilizados por Georg Lukàcs.

OMISSÃO

O Jornal da Record (11/04/2011) revelou que apenas 2% das crianças querem a profissão de docente no Brasil. De acordo com o Jornal do SBT (25/02/2011), houve um aumento de 38,8% para 52,3% nos assassinatos de indivíduos entre 15 e 24 anos. Nesta faixa etária, o desemprego está acima dos 24 % no país.

Em março de 2001, o Bom Dia Brasil destacou que além da educação estar na lista dos cortes de 50 bilhões prometidos pela administração federal, existe a intenção de cortar 10% na verba do seguro desemprego.

Da parte do governo, o que se vê na mesma televisão, são propagandas que destacam a melhoria na qualidade de vida e os avanços da educação no Brasil.

Massacres aparecem como fatalidades. Existe uma omissão, um medo de dizer a verdade e de refletir sobre as causas dos problemas. Esta omissão está associada ao governo, aos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, e a indiferença dos indivíduos na sociedade. Isso, claro, reforça as conseqüências negativas vividas no cotidiano da maioria das pessoas.

JUVENTUDE II

Utilizando uma foto de um filme que aparece como casal Jack Nicholson e Amanda Peet (o velho e a jovem - "Alt und Jung"), a Playboy alemã destaca que a maioria, naquele país, considera esse tipo de casal "normal". A foto é usada como ilustração desta idéia, ou seja, o roteiro do filme não é analisado. Nele, existe outro casal - Diane Keaton e Keanee Reeves -, que representaria exatamente o contrário: uma mulher mais velha e um rapaz novo. Se a pessoa não assistir o filme, ela poderá imaginar que ele confirmaria a hipótese inicial, quando acontece o oposto. Trata-se de um mecanismo usado, incorretamente, por um meio de comunicação de massa. Em outras palavras, o machismo ainda é evidente no mundo ocidental. Além disto, existe uma valorização da juventude.

Os executivos, em sua maioria, são homens. Isso explica, em parte, a chamada faixa etária produtiva entre os 20 e 40 anos. Os homens preferem a juventude, pois ela tem o que eles já perderam: muita energia e ingenuidade. Os homens, sobretudo os mais velhos, gostam de garotas jovens. Com o poder do dinheiro e da inteligência - a maioria formou-se há décadas -, eles sentem-se privilegiados diante de garotas cheias de sonhos e sem experiências. Como diria aquele velho executivo de São Paulo, quando indagado se não se sentia desconfortável em sair com moças que só queriam o seu dinheiro: "ainda bem que é assim, pois o que eu tenho é dinheiro mesmo" (e não saúde, beleza ou juventude).

Na empresa, a valorização do jovem segue essa linha de raciocínio. Corinne Maier lembra:

"o jovem, que injeta sangue novo na estrutura, é forçosamente a gema preciosa de uma firma (...) O 'jovem', cujo mérito é não acumular pneus em torno da cintura e usar terno-e-gravata sem a intrusão de gordurinhas inconvenientes, entra no mundo do trabalho de nariz empinado. Ele acha que as palavras 'proativo' e 'benchmarketing' significam alguma coisa, pensa que o sacrossanto comando 'Seja Autônomo!' deve ser levado ao pé da letra, espera ver seus méritos reconhecidos e quer... que o adoremos. Ah, a juventude!"

Dificilmente, o jovem acredita que ele não tenha "poderes". Ele acredita que pode tudo, que realizará todos os seus sonhos. Ele enxerga todas as pessoas como instrumentos do seu prazer. Tudo deve girar em torno dele. A auto-crítica não existe para a maioria. Não era para ser diferente, na medida em que ele é bajulado na empresa e nas relações amorosas. Ele acredita que tem "o" poder e, pior, acredita que será sempre assim. Como diria a Corinne Maier na citação anterior: "Ah, a juventude!"

Alguns podem questionar se eu não era assim quando tinha 20 anos. A resposta é sim. Contudo, com o tempo e a experiência, resolvi planejar o meu futuro. Sim, eu acreditei que isso seria possível também... Só depois percebi que não se passa dos 40 anos sem graves crises: divórcio, falência, desemprego ou a morte de alguém que era fundamental na sua vida (normalmente, uma pessoa da família).

Diante de tudo isso, para não escolher alternativas negativas - como alcoolismo, loucura, drogas, suicídio ou mesmo presídios ou asilos -, a minha sugestão seria: aproveite a sua faixa etária produtiva para comprar um lugar seu - casa ou apartamento. Em uma entrevista para a revista Trip, o cartunista Angeli deu um depoimento interessante:

"este apartamento é alugado. Comecei a me preocupar com isso recentemente. (...) Não quero ficar velho e não ter nada. (...) [Hoje] acho que poderia ganhar mais... O que não posso é trabalha mais. Trabalho no limite, faço muita coisa. Durmo pouco, umas quatro horas por noite."

É isso. Talvez a minha sugestão e o depoimento sirvam para alguma coisa.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

EMPREGO E EMPRESA

É comum ver nos jornais oportunidades de emprego e dicas de psicólogos e de professores. No programa Fantástico, existe um quadro, "O Meu Primeiro Emprego", quando são apresentadas experiências no mercado de trabalho - como a humilhação de um engenheiro novato numa sala de reuniões cheia de gente - e conselhos para fazer sucesso - o erro seria do engenheiro e não da empresa. Sério ?! Don Tapscott, em entrevista publicada na Veja (13/04/2011, p. 23) , desmistificou esse discurso:

"Os jovens de hoje cresceram ouvindo que se estudassem com dedicação e não se metessem em problemas teriam uma vida confortável na idade adulta. Mentimos para eles. Chegaram ao mercado de trabalho e não há emprego."

Mesmo antes de Tapscott, "L'Horreur Économique" de Viviane Forrester (1996) e "Bonjour Paresse" de Corinne Maier (2004) já denunciavam o discurso da globalização e da ideologia neoliberal. Para Maier:

"E você se vê obrigado a ser comercial de si mesmo. É preciso saber 'se vender', como se personalidade fosse um produto com valor de mercado. Para Tom Peters, guru grandiloqüente da nova economia, ter sucesso é fazer de si mesmo uma sociedade comercial - a marca 'Você'."

O problema é que o discurso não corresponde a realidade. Não existem empregos para todos. A culpa seria de quem? Na perspectiva da ideologia, a empresa oferece o emprego e se a pessoa não consegue se manter no trabalho, a culpa é dela. Maier ironiza esse jogo:

"Se eliminamos o seu cargo, é sinal de que você foi incapaz de demonstrar a sua utilidade, não soube valorizar a sua função, despertar o interesse do cliente etc. Na verdade, é claro, a culpa é sua!"

O que seria resultado de um problema social, torna-se, como numa mágica, uma crise pessoal. A pessoa é culpada por ser explorada, manipulada e, em seguida, excluída do mercado de trabalho. De fato, trata-se de um jogo injusto. Afinal, ainda de acordo com Corinne Maier, "existe uma relação de força desigual em um mercado que põe face a face um assalariado sozinho, precisando trabalhar, e uma empresa altamente estruturada e sempre disposta a tirar proveito das oportunidades apresentadas pelo direito do trabalho."

O resultado deste processo pode ser percebido diariamente por todos os indivíduos. Sofrem mais aqueles que são alienados, que se sentem culpados e que acreditam na "mão invisível" do mercado.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

2011 E A DÉCADA DE 1970: A DESTRUIÇÃO DE MITOS?

Li entrevistas de Paulo Coelho, Alan Moore e Jimmy Page. Eles sentem simpatia pelo ocultismo. Não gostei do perfil do Paulo Coelho na medida em que ele insistia no auto-elogio e se dizia melhor que os outros por causa dos seus bens materiais. Alan Moore se mostrava mais discreto, mesmo sendo considerado o melhor escritor de quadrinhos para adultos - "graphic novels" ou "comic books". Jimmy Page, mesmo sendo um dos melhores guitarristas do rock e líder de uma das principais bandas - Led Zeppelin -, não citava bens materiais e discutia assuntos gerais, sobretudo no que dizia respeito a sua música.

Para mim, o Led Zeppelin foi o melhor grupo de rock. A primeira história que li do Alan Moore foi "A Piada Mortal" ("The Killing Joke") sobre o Batman e o Coringa. Fiquei impressionado. Depois li sobre John Constantine e outras histórias. Tornei-me fã do seu trabalho. Considero Moore e Frank Miller as principais referências no universo dos quadrinhos. Não me interessei pelos livros de Paulo Coelho.

Na década de 1970, me incomodava ser fã de uma banda que seus músicos eram associados ao ocultismo. Depois, separei as coisas. Eu sou fã do trabalho de Jimmy Page, o que ele acredita ou não, na sua vida pessoal, era, claro, de interesse só dele. Vi o filme "Exorcista" no cinema, quando era adolescente, e fiquei muito assustado na época, principalmente porque conhecia várias pessoas que acreditavam em religiões, superstições e mitos.

Após algumas décadas, essas preocupações ficaram sem sentido. Se antes o rock era "música do diabo", atualmente existe vertente evangélica no heavy metal. Filmes como "Exorcista" não assustam mais. As pessoas têm medo de assaltos e não de coisas sobrenaturais. Antes os indivíduos acreditavam em grandes projetos, religiosos ou políticos. Hoje predomina o ceticismo e o cinismo.

Nos anos 1970, eu não sabia inglês, não podia ler em alemão, não tinha viajado para a Europa, não conhecia os autores clássicos da filosofia, da história, da economia ou da ciência política. O ano 2000 parecia algo distante na minha adolescência.

Em 2011, ainda lidamos com mitos. Muitos ainda se recusam a pensar na própria morte. Outros temem o fim do mundo. Para esses últimos, o ano que vem será interessante por causa das profecias de Nostradamus e dos Maias. Contudo, acredito que a maioria possui uma visão crítica e a mentalidade das pessoas das décadas anteriores aparece, na atualidade, associada a uma certa ingenuidade.

AFIRMAÇÕES E PERGUNTAS

Afirmar que "não existe intelectual de direita" representa desconsiderar, por exemplo, a qualidade das obras de José Guilherme Merquior. O que dizer sobre a importância de Nelson Rodrigues para a cultura brasileira? Este tipo de afirmação deve ser entendida mais como uma provação do que como uma verdade.

O mesmo pode ser dito sobre algumas problemáticas, como o título do livro de Jean-Claude Milner: "existe-t-il une vie intellectuelle en France? (Editora Verdier) Se a intenção é criar um debate sobre um determinado tema, é válido colocar a idéia em forma de pergunta e não como uma afirmação.

A reflexão é fundamental no desenvolvimento de qualquer indivíduo. A ausência de perguntas e de discussões livres pode gerar um ambiente totalitário. Foi o que aconteceu quando os líderes do Partido dos Trabalhadores, para chegar no poder, colocaram o debate num segundo plano e privilegiaram temáticas mais "práticas", que, no governo Lula, resultou no "mensalão". Roberto Romano resumiu esse contexto:

"Como não tiveram nem possuem tempo para leituras, dadas as suas perenes tarefas, líderes e boa parte dos militantes petistas não conseguirão dar um golpe de Estado porque 'ditadura' vem de 'art dictaminis' (arte de ditar uma carta a um secretário), técnica retórica exigida pelos governantes e hierarcas religiosos. A raiva contra o pensamento, nas hostes petistas, recorda o dito medieval: 'Rex illiteratus est quasi asinus coronatus' ('Um rei iletrado é um jumento coroado')." [Primeira Leitura, São Paulo, 4 (41): 41, julho 2005]

Em suma, não existe um conflito entre a "prática" e a "teoria". Separá-las é correr o risco de saber menos, cometer erros e assumir posturas autoritárias. Perguntar pode ofender, claro, mas seria melhor levantar uma dúvida do que tentar impor um dogma com uma afirmação.

ESCREVER É NECESSÁRIO

Não estou morto, mas não tenho vida social - nem real, nem "on line". Não sei o que acontece com as pessoas. Ficar isolado seria como ficar "congelado no tempo", fechado em seu próprio mundo enquanto os outros correm e fazem as coisas normalmente. Não reclamo. Foi uma opção.

Ouvir Chopin ou Miles Davis. Fazer caminhadas, sem a preocupação com horários. Ler bastante. Assistir DVDs.

Escrever é necessário. Não sei quantas pessoas lêem meus textos. Não sei o que acham. Não respondo e-mails. Faz meses que não utilizo facebook, twitter, orkut e msn. Na internet, atualizo o meu website e o meu blog. Quando divulgo algo, é a partir do website. Os recados são publicados automaticamente no twitter e no facebook.

Quem quiser saber o que eu penso atualmente, basta ler os textos no blog e no website. São temas variados. Refletem o que penso, leio, ouço e vejo.

Fiquei meio invisível. Existo "através" dos textos. Interessante. Gosto disto... pelo menos, por enquanto...

....................... http://profelipe.weebly.com/

MULTIPLICIDADE DE ESPIRAIS

Houve uma época que eu lia bastante os livros de Domenico de Masi e de Pierre Lévy. Eles tentavam entender o mundo depois da revolução tecnológica proporcionada pelo PC ("personal computer") em 1976. Se o primeiro pensador concentrava seus estudos no tema do ócio, o segundo tentava entender o pensamento diante das recentes mudanças técnicas.

Pierre Lévy debatia o que fazer com a internet, o significado de ciberespaço e avaliava a importância do PC no contexto mundial (ler sobretudo "Sobre a técnica enquanto hipertexto - o computador pessoal" in "As Tecnologias da Inteligência", p. 43-50) No livro Inteligência Coletiva, Lévi associava as "espirais" ao conceito de multiplicidade. Essa última temática havia sido resgatada por Michel Foucault, a partir de suas leituras de Nietzsche. Em outra área, John D. Biroc falava em "infinitas possibilidades", afirmando que o processo da psicoterapia não seria linear. De certa forma, os três pensadores defendiam a mesma premissa, o que não significava que as suas teorias fossem idênticas e nem que eles defenderiam as mesmas hipóteses. Não existiram só dois lados: o certo e o errado. Não seria possível pensar num processo linear. Haveria uma multiplicidade de variáveis. Admitir isso, seria, no ponto de vista de Biroc, admitir o caos.

Em 1994, Pierre Lévy enfatizava: "o tempo não é linear, é múltiplo, é espiral, em turbilhões." (Inteligência Coletiva, p. 210) Entretanto, isso não colocava Lévi como um dos adeptos da teoria do caos, afinal, em 2000, ele defendia que:

"Toda a história do universo é um apetite pelas formas dentre as quais, nós, os humanos, somos o momento de maior êxtase. (...) Se Deus é o explorador universal das formas, isto é, o amor em ato, então é aperfeiçoando sua inteligência coletiva e dilatando a sua consciência em todas as direções que a humanidade se aproxima dele."

Colocar o homem no centro da história do universo é questionável. O seu conceito de Deus lembra a visão de Espinosa, da qual Marilena Chaui é uma da defensoras:

"(...) Ao estudar Espinosa, descobri um Deus (...) que é energia da natureza inteira e do qual somos uma parcela. Cada um de nós é, na sua realização finita, uma expressão dessa força infinita, que é a divindade." (Chaui, Primeira Leitura, 2003, p. 21)

De qualquer maneira, as considerações de Pierre Lévy, em 2000, não deixavam dúvidas quanto a sua diferença diante das perspectivas dos defensores da teoria do caos. Por outro lado, não há como negar a importância, se for pensada como uma ferramenta para a reflexão, da premissa da multiplicidade, das espirais e das "infinitas possibilidades". Contudo, do ponto de pista político, do cotidiano da pessoas, pode ser uma via perigosa, pois pode levar a um relativismo extremo, no qual considerações relacionadas a fome, a dor, a miséria, a concentração de riqueza, entre outras, poderiam ser desconsideradas.

INTERPRETAÇÕES*

* O texto, a seguir, foi publicado com outro título em: OLIVEIRA, Selmane Felipe de (2011). Unze. Http://profelipego.weebly.com/unze.html

A dor para o indivíduo não é subjetiva ou relativa. Ela é real. Para resolver uma "conseqüência" deve ser procurada a "causa".

Para Freud, a origem estaria no inconsciente e a solução seria o tratamento com a terapia, a conversa entre o psicanalista e o paciente. Para os psiquiatras e os neurocientistas, a origem seria orgânica e o tratamento seria feito com remédios. Para os espíritas e alguns adeptos das teorias orientais, a origem estaria em outras vidas, ou seja, em outras reencarnações. No que diz respeito à psicanálise e ao budismo, Howard Cutler afirma:

"As duas filosofias acreditam que há algo como o inconsciente que registra eventos do passado e moldam nosso comportamento. (...) A diferença é que, segundo o budismo, esses registros podem ter origem em vidas passadas." (Superinteressante, edição 181, p. 49)

Freud não tratou do problema do ponto de vista religioso, mas evitou descartar a existência de outros fenômenos:

"Embora admitamos que esta observações de maneira alguma esgotam a psicologia da superstição, somo levados a tocar numa questão: se devemos negar inteiramente as raízes reais da superstição, se de fato não existem pressentimentos, sonhos proféticos, experiências telepáticas, manifestações de forças sobrenaturais e coisas semelhantes. Estou longe de pretender condenar cabalmente esses fenômenos dos quais tantas observações detalhadas têm sido feitas inclusive por homens de intelecto destacado e que melhor seria transformar em objeto de outras investigações." (Psicopatologia da Vida Cotidiana, p. 225)

Susan Andrews afirma que "de Williams James a Freud, a psicologia ocidental tem pouco mais de 200 anos. (...) Já psicologia oriental estuda esses estados mentais há cerca de 7.000 anos." (Superinteressante, edição 181, p. 49) Ela está correta. Entretanto, a questão não estaria relacionada ao fato de uma teoria ser recente ou não. Os bons resultados dos novos medicamentos, indicados pelos psiquiatrias, levaram muitos a decretar o fim da psicanálise, o que seria um exagero. Alguns não acreditam na relação entre causa e efeito. O que existiria, a partir de "infinitas relações", seria o caos. (John D. Biroc)

Outros acreditam que a memória que causa o sofrimento desapareceria com a morte do indivíduo, pois ela estaria associada ao cérebro. No final de "Blade Runner", o andróide salva seu caçador e diz:

"Eu vi coisas que você não acreditaria. (...) Todos aqueles momentos estarão perdidos no tempo, como as lágrimas na chuva. É hora de morrer."

A memória seria isso? Ela desapareceria com a morte? A resposta, para Bertrand Russell, seria sim. Para esse pensador, "a memória está claramente ligada a um certo tipo de estrutura cerebral que, ao se degradar com a morte, deve fazer cessar também a memória." (Elogio ao Ócio, p. 136)

O cérebro do homem foi desenvolvido a partir de um processo de evolução de 160.000 anos. (PM History, Februar 2004, p. 45) O "melhoramento genético" do homo sapiens permitiu a criação de um cérebro complexo, o que possibilitou o desenvolvimento de características como emoção, razão e memória. O desaparecimento do corpo representaria o fim de todo o resto? E então, qual seria o caminho? Psicanálise? Espiritismo? Budismo? Teoria do caos? Prozac? Lexotan? Zoloft? Rivotril? É difícil dizer. O que leva a afirmação inicial: não saber a resposta não significa que a dor que o indivíduo sente não seja real.

LIBERDADE E MUDANÇAS SOCIAIS - 1945-2011

A indústria farmacêutica atende aos anseios das pessoas na sociedade. Foi assim com a criação da pílula anticoncepcional, em 1960, e com a invenção do viagra, em 1998.

Desde do fim da segunda guerra mundial, em 1945, os indivíduos, no mundo ocidental, estabeleceram novas formas de lidar com a liberdade - "novas" na medida em que havia, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da indústria capitalista e a invenção de máquinas, o que facilitaria o cotidiano da sociedade.

Quanto à liberdade, basta lembrar da criação da revista Playboy, em 1954 - antes, nos Estados Unidos, os homens viam as mulheres nuas em forma de desenho, um modelo chamado "pin up" - e do rock and roll em 1955. Na literatura, o destaque era a geração "beat".

Nos anos 1960, houve o fortalecimento dos movimentos que representavam as minorias, como as mulheres e os negros, e ainda o famoso "sexo, drogas e rock and roll", que mudaria o comportamento da juventude. De tudo isso, surgiram lideranças que ficaram associadas às drogas, como o escritor William Burroughs e o professor de Harvard, que seria demitido na época, Timothy Leary. Nos festivais de rock, falava-se abertamente do uso de drogas - ver o filme "Woodstock". Era comum a prisão de músicos, como Keith Richards, Mick Jagger e Jim Morrison, e a morte por overdose, Janis Joplin e Jimi Hendrix, por exemplo.

Na década de 1970, a invenção dos computadores pessoais, por estudantes da Universidade de Stanford, fortaleceria as liberdades individuais. O criador da Apple, Steve Jobs, não escondia que o nome da empresa estava associado aos Beatles. Ele usava drogas e incentivava um novo tipo de comportamento dos jovens da sua empresa. O rock consolidava-se como indústria cultural no final deste período. Os seus representantes - antes rebeldes - passaram a viver como milionários e se comportar como celebridades - o que levou a criação do movimento punk, como forma de resgatar as "raízes" do rock.

Após os anos 1980, os "nerds", que criavam programas para os computadores, seriam os novos milionários, chegando ao ponto de, na década de 1990, ter Bill Gates, criador da Microsoft, classificado como o homem mais rico do mundo.

O trabalho intelectual substituiria o trabalho manual na produção, o que, levaria, como uma de seus conseqüências, ao aumento de doenças mentais na sociedade - como ansiedades, fobias e depressões. Os representantes da indústria farmacêutica trabalhavam para atender uma nova demanda, com a invenção de anti-depressivos mais eficientes, como Prozac e Zoloft.

Após a queda do Muro de Berlim, os países comunistas do leste europeu, em crise, na década de 1990, adotaram a democracia e o capitalismo. Com tantas transformações, o resultado foi um mundo globalizado, pelo menos em termos de meios de comunicação.

Em 2001, com o ataque e a destruição das torres do World Trade Center, houve uma demonstração clara de que havia resistência ao estilo de vida capitalista. Os islâmicos tornaram-se os "vilões" da mídia ocidental e Ozama Bin Laden passou a ser considerado o principal terrorista do mundo. Nos Estados Unidos, "a guerra contra o terror" levou ao movimento de restrições das liberdades individuais e aumento dos poderes ao Estado. Houve um retrocesso.

Em suma, ao longo deste período, depois de 1945, ocorreram várias guerras e o fortalecimento da indústria bélica, mesmo considerando o risco de um conflito nuclear, que poderia levar ao fim da humanidade.

O século XXI está apenas no começo. Difícil saber como serão as próximas décadas. Provavelmente, os conflitos e as guerras não acabarão. A indústria "global" trará inovações tanto em relação aos armamentos quanto aos remédios que melhorarão a vida dos indivíduos no cotidiano. Esse processo deve continuar. O questão seria saber até quando... O profeta Nostradasmus e os Maias estabeleceram um ano limite: 2012. Será?

PSICOTERAPIA

Na televisão ou no cinema, alguns personagens solteiros e independentes recorrem à psicanálise. Penso em dois exemplos: a série "Two and Half Men" e o filme "The Thomas Crown Affair".

Leio Freud. Fiz psicoterapia entre 1995 e 2009. Não tive alta, claro, "já que o processo analítico é, por natureza, interminável." Entrei naquilo que Renato Mezan chamou de "dissolução da transferência", ou seja: ser "capaz de prosseguir o processo psicanalítico sem a presença de um analista diferente de si." (A Vingança da Esfinge, p. 41)

A minha intenção, aqui, não é dizer por que comecei a fazer terapia e nem por que parei. Aliás, quando penso em voltar, imagino várias sessões discutindo essas problemáticas. Contudo, acho difícil voltar para o processo psicanalítico.

Tomei anti-depressivos receitados psiquiatras. Um deles suicidou. Fato significativo se for levado em consideração a profissão dele. Conheci um analista que suicidou também. Nos dois casos, me intrigou o fato que eles eram profissionais que ouviam os problemas dos outros. Quem escolhe essas profissões, pode estar pensando em ganhar dinheiro, mas imagino que, na prática, o profissional seria obrigado a lidar com muitos fantasmas que assustam a mente humana e isso o afetaria, direta ou indiretamente. Em outras palavras, escolher estar nesse meio profissional já seria uma caso que necessitaria de psicoterapia.

AUTORES E LEITORES

Sempre que posso, procuro explicar que os meus textos opinativos são diferentes das minhas teses e outros livros.

A pesquisa em história é um trabalho muito difícil e muito sério.

Os textos opinativos são leves, são comentários sobre o cotidiano sem comprovação de fontes ou de documentos. Refletem a minha opinião sobre um fato, num determinado momento, não mais do que isso.

Talvez os textos opinativos possam servir de fonte para algum psicanalista (ou leitor) que queira entender a minha personalidade. Existem, falhas, contradições, que, se for feita uma leitura freudiana dos textos, não ocorreriam por acaso. Sem problemas. Qualquer pessoa está sujeita a análise do outro, tanto no processo terapêutico como naquilo que escreve ou mesmo nos atos do dia a dia.

Eric Hobsbawm, para não ver confundida a sua atividade de historiador com o seu interesse pela música, publicou a "História Social do Jazz" sob o pseudônimo de Francis Newton. Em edições posteriores, o livro saiu com o seu nome verdadeiro.

Acredito que não seria necessário utilizar pseudônimos para separar os trabalhos científicos e os textos opinativos de um autor. Um bom leitor saberia identificar a diferença. O outro tipo de leitor, aquele ingênuo ou interessado em fazer críticas parciais e superficiais, não deve ser levado a sério.